"Não fala. Não se explica. Não se vê
e muito menos se apalpa. A sua dimensão não cabe na própria palavra de
definição, nem há palavras exactas que o definam. Não se sabe porquê nem se
sabe o sentido na sua existência. Não tem limites quantificáveis nem padrões
comportamentais a serem seguidos. Não é incógnito, não é um mistério nem um
mito. Ele existe na sua real personificação em actos e euforias sentimentais.
Falasse dele soletrando uma palavra, mas essa mesma palavra é tão vazia de
conteúdo que nem dele sabe falar na sua plenitude, apenas estabelece uma forma
verbal para que possa ser identificado. É muito mais que isso, muito mais que
palavras e conceitos. Vai para além das teorias e conversas abstractas. É
superior ao desejo humano de egoísmo social estabelecendo pontes entre
impossíveis. Não tem cheiro nem cor, pode ser todas as cores ao mesmo tempo, e
nesse mesmo tempo não ser nenhuma. Pode tudo e o impossível. Fazemos uso dele
mesmo sem sequer ser suposto estar a senti-lo!
Não avisa. Surge e instala-se. Sente-se. É
a única coisa que é real e coerente dizer-se. Sente-se. A partir deste ponto,
nada mais é igual, nada mais é concreto, nada mais é plausível de se
previsível. Ficamos subjugados à sua vontade e na qual vamos vivendo segundo a
sua rota. Ficamos inconscientes de acções, mas conscientes de que queremos
viver com ele para sempre, apesar de negarmos vezes sem conta a sua
grandiosidade, pois torna-nos mais vulneráveis. Apesar de fazer doer bem fundo
e de levar a insanidade à exaustão, sem ele não saberíamos viver. Apenas
sobrevivíamos dia após dia sem conteúdo afectivo, onde as coisas perderam o
brilho natural de serem amadas, porque se ele não existisse, não haveria o
motivo para se amar. A dor que ele nos deixa não é mais que um bónus de sabedoria
que nos permite sentir realmente vivos. Não faria sentido viver sem ele apesar
do seu sentido não ser perfeitamente compreendido. Apenas sabemos que aquela
sensação exclusivamente pessoal, faz-nos sorrir, faz-nos querer, faz-nos
tentar, faz-nos não desistir quando tudo à volta perdeu a vontade, faz-nos
querer, faz-nos ser felizes, mesmo não sabendo bem usá-lo em forma de
expressão. Só sabemos que estamos com ele naquele momento mortífero em que o
Sentimos.
Quase que magoa a garganta no nó que se
forma, nauseados de encantamento ficamos perante aquela figura, ficamos parados
no tempo, naquele momento visual que tudo parece ser pequeno face ao que
sentimos, onde questionamos tudo, mesmo a nossa real existência. É estranho e
contraditório. Sentimo-nos estranhos, irreconhecíveis ao nosso espelho
interior. Frágeis na sua presença, triste e vazios sem ele. É maleficamente
tenebroso quando não tem forma de retorno. É triste por nos tornar tristes,
perigoso por nos controlar os actos, é alheio a quaisquer éticas sociais. Mas é
demasiadamente bom de ser negado, de ser ignorado. É avassaladoramente saboroso
mesmo no seu lado imperfeito para deixar de ser sentido. Por ele fazemos tudo,
sem ele somos nada. Não vale de nada palavras complexas e rebuscadas para o
tentar exprimir. Ele é a complexa forma da simplicidade traduzida em afectos.
Tudo se resume ao amar e ser amado. A sua exuberante simplicidade é que nos faz
ser complexos perante tal força sem definição. Não vale a pena tentar perceber
ou questionar, e muitos menos tentar explicar em forma de frases sem sentido
directo de interpretação. Apenas se deve sentir e vivê-lo. De outra forma não
saberemos viver com ele, e sem ele não se vive o expoente máximo da felicidade.
Ele, na primeira pessoa a que chamam Amor."
Ana
Soares da Silva Rodrigues Neto, in “Textos de Amor – Museu Nacional da Imprensa”
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